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O marco legal da securitização de recebíveis

A securitização, resumidamente, é operação pela qual os agentes originadores, que detém créditos contra terceiros (uma incorporadora, por exemplo, que vendeu apartamentos aos adquirentes) transferem estes direitos.

Por Paulo Cesar Busnardo Júnior

As operações de securitização de recebíveis ganham impulso no País com a ampliação de seu escopo, prevista na Lei 14.430/22, o “Marco da Securitização”. A origem da palavra “securitização” remonta ao inglês ”securities”, ou “títulos”, de modo que a noção de “securitizar” direitos de crédito ou recebíveis, significa “transformá-los em títulos”. No Brasil, estas operações já eram praticadas desde fins da década de 1990, porém restritas a três segmentos do mercado, por questões legislativas e regulatórias: o mercado imobiliário, por meio da emissão dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), partes do mercado de agronegócio, pela emissão dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e o mercado financeiro, por meio da emissão de debêntures financeiras. O principal objetivo do novo Marco Legal da Securitização é expandir as operações de securitização de recebíveis para todos e quaisquer segmentos de mercado, contribuindo para a pulverização de riscos e expansão desta atividade, sob regulação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

A securitização, resumidamente, é operação pela qual os agentes originadores, que detém créditos contra terceiros (uma incorporadora, por exemplo, que vendeu apartamentos aos adquirentes) transferem estes direitos – e os riscos de crédito associados – a investidores do mercado por meio de um título, geralmente um Certificado de Recebíveis, emitido por uma companhia securitizadora. A Lei conceitua securitização como “a aquisição de direitos creditórios para lastrear a emissão de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários perante investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios e dos demais bens, direitos e garantias que o lastreiam.” A principal novidade legislativa é que créditos mercantis decorrentes de quaisquer atividades como saúde, educação, energia, ou créditos comerciais em geral também podem lastrear emissão de Certificados de Recebíveis. Com isso, os riscos de crédito anteriormente concentrados no originador dos direitos creditórios passam a ser disseminados entre os vários investidores detentores dos Certificados de Recebíveis ou outros títulos emitidos pelas securitizadoras, pulverizando riscos e aumentando a eficiência da economia.

A segurança jurídica da securitização é incrementada na medida em que a Lei delegou competência fiscalizatória para a CVM, que editou a Resolução n. 60 em 23/12/2021, em linha com o projeto da Lei. A securitizadora é reconhecida como uma companhia aberta com peculiaridades, que atua como gestora de um patrimônio de terceiros, com importantes deveres fiduciários. É previsto o estabelecimento, pela securitizadora, do “regime fiduciário” com “patrimônio separado” para cada Certificado de Recebíveis, de modo que os direitos creditórios que compõem este patrimônio não se comunicam com o patrimônio próprio da securitizadora, incluindo débitos fiscais, previdenciários ou trabalhistas, nem com outros patrimônios separados sob sua administração. Como nos “patrimônios de afetação” das incorporações imobiliárias, as dívidas, passivos, ou a própria falência da companhia securitizadora não trará reflexos para os patrimônios separados sob sua administração, que permanecem afetados aos respectivos Certificados de Recebíveis ou títulos adquiridos pelos investidores.

Um dos objetivos pretendidos pela Lei é que os custos de observância regulatória e o próprio volume de recebíveis necessários para viabilizar a emissão de um Certificado de Recebíveis sejam inferiores àqueles de uma operação estruturada por meio de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDIC), por exemplo, que geralmente demandam volumes maiores de recebíveis para sua viabilização.

A Lei e a própria regulação da CVM andaram muito bem ao delegar à autonomia privada das partes a disciplina de diversas questões importantes nestas operações, que devem estar previstas de forma transparente no Termo de Securitização, desde que não haja prejuízos ao público investidor, tais como: (i) compromisso de investimento entre a securitizadora e os investidores, com promessa de subscrição e integralização dos Certificados de Recebíveis para aquisição de direitos creditórios “em fases”, como no caso de empreendimentos imobiliários; (ii) subordinação entre classes integrantes da mesma emissão, ou seja, a preferência de uma classe sobre a outra para fins de resgate e amortização dos Certificados de Recebíveis; (iii) cláusulas e índices de correção aplicáveis na emissão, inclusive por variação cambial, atendidos requisitos específicos; (iv) possibilidade de dação em pagamento dos direitos creditórios aos titulares dos Certificados de Recebíveis; (v) a “revolvência”, ou seja, a substituição e aquisição de novos direitos creditórios com utilização de recursos provenientes do pagamento dos direitos creditórios originais vinculados à emissão; (vi) aportes de recursos adicionais no caso de insuficiência do patrimônio separado, em caso de necessidade para despesas imprevistas (pagamento de ITBI na execução de garantia real, por exemplo).

A mesma Lei prevê duas outras modificações relevantes: no mercado de seguros, dentro do princípio de transferir e pulverizar riscos securitários para o mercado de capitais, a emissão da Letra de Risco de Seguro (LRS) originada por Sociedade Seguradora de Propósito Específico, bem como atualizações das normas da profissão regulamentada de corretor de seguros, estas últimas introduzidas na tramitação da Lei na Câmara dos Deputados. No mercado de capitais, a Lei flexibilizou o requisito de instituição financeira para prestação dos serviços de escrituração e custódia de valores mobiliários, constantes da Lei das S/A (Lei n. 6.404/76). Assim, com autorização específica da CVM, operações inovadoras como o “crowdfunding” (captação de recursos participativa para investimentos inovadores) e “sandbox regulatório” (valores mobiliários inovadores a serem oferecidos e testados em ambiente controlado) ocorreriam mediante regulação mais branda, nas quais instituições não-financeiras desempenhariam as atividades de escrituração e custódia, antes exclusivas de instituições financeiras.

Com isso, espera-se que o Marco Legal da Securitização expanda e fomente esta relevante atividade para além dos segmentos imobiliário, de agronegócio e financeiro, contribuindo com isso para a desintermediação das atividades financeiras e disponibilizando, por meio do Certificado de Securitização, uma nova opção de financiamento para os empreendedores que gerenciam carteiras de direitos creditórios.

Os artigos deste site são redigidos para fins meramente informativos, não devendo ser considerados orientação jurídica ou opinião legal.

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