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A Atualização da Lei Emergencial do Direito Privado

A irretroatividade da pandemia na execução dos contratos fixa importante marco de segurança jurídica nesta matéria.

Por Paulo Cesar Busnardo Júnior

A Lei Emergencial do Direito Privado, que trata de importantes temas contratuais e societários no contexto da pandemia, tornou-se ainda mais abrangente, ao ponto de proibir a concessão de liminares para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo nela especificadas, até o prazo de 30 de outubro de 2020. Isto porque recentemente foram derrubados importantes vetos presidenciais pelo Congresso Nacional, conforme o texto atualizado da Lei 14.010/20 (a “Lei”).

O primeiro veto derrubado (art. 4º) tornou-se norma de senso comum na pandemia: as associações, sociedades e fundações deverão observar, até 30 de outubro de 2020, as restrições à realização de reuniões e assembléias presenciais. É a consolidação da norma do art. 5º da Lei: as assembléias gerais podem ser realizadas por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica, assegurada aos participantes o direito de manifestação por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure sua identificação e a segurança do voto. Princípio idêntico, com pequenas variações, já consta da regulação das sociedades empresárias, tanto no plano legislativo (Lei 14.030/20) como no plano regulatório, para sociedades de capital aberto (Instrução 622 da CVM) e de capital fechado (Instrução Normativa 70 do DREI).

Porém a maior contribuição da versão atualizada da Lei está no capítulo dos contratos: é como se a Lei criasse um “princípio da vedação do oportunismo”, isto é, a Lei busca evitar que a pandemia seja utilizada, indiscriminadamente, como razão para embasar descumprimentos obrigacionais em série e a revisão judicial de contratos em curso, especialmente por meio de normas que restringem a possibilidade de revisão judicial dos contratos. O art. 6º da Lei estabelece que as conseqüências jurídicas da pandemia nas execuções dos contratos, inclusive para fins de caso fortuito e força maior, não terão efeitos jurídicos retroativos. O estado de calamidade pública no Brasil decorrente da pandemia iniciou em 20 de março (Decreto Legislativo n. 6).

A irretroatividade da pandemia na execução dos contratos fixa importante marco de segurança jurídica nesta matéria.O art. 7º da Lei regula a qualificação dos fatos imprevisíveis: conforme jurisprudência consolidada, a Lei estabelece que o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário não constituem fatos imprevisíveis, para fins de resolução ou revisão por onerosidade excessiva, ou mesmo impossibilidade da prestação contratual. A Lei contribui de modo especialmente oportuno para a estabilidade dos contratos já firmados, de modo a aclarar critérios que não mais justificam e também restringem sua revisão judicial.

Porém o maior mérito da Lei reside no art. 7º e seus parágrafos: não se misturam, para fins de revisão judicial dos contratos, as regras do Código Civil, do Código de Defesa do Consumidor e da Lei do Inquilinato. Ao delimitar estes espaços legislativos, busca a lei terminar com as freqüentes confusões conceituais que buscam sobrepor estes regimes jurídicos uns aos outros, sob os mais criativos e por vezes imperfeitos argumentos.

Coroando esta louvável iniciativa, estabelece a Lei, de forma clara, que as normas de proteção ao consumidor não se aplicam às relações contratuais subordinadas ao Código Civil, incluindo aquelas estabelecidas exclusivamente entre empresas ou empresários. Parece que finalmente a comunidade jurídica começa a se convencer dos benefícios do estabelecimento de clara distinção entre as normas aplicáveis aos contratos civis, empresariais e de consumo, em prol de uma maior estabilidade jurídica e social.

Especificamente quanto aos contratos de locação, a Lei estabeleceu que não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo por ela especificadas na Lei do Inquilinato, até o prazo de 30 de outubro de 2020. A melhor interpretação é que este dispositivo se aplica às ações de despejo ajuizadas após 20 de março de 2020, data do início do estado de calamidade pública. Esta norma havia sido inicialmente vetada, porém o Congresso Nacional derrubou o veto, certamente influenciado pelo clamor popular e por normas semelhantes que foram aprovadas em diversos outros países por conta da pandemia.

Após sua redação consolidada, o maior mérito da Lei, sem dúvida, é delimitar com clareza os espaços legislativos: o regime jurídico protetivo do Código de Defesa do Consumidor, o regime específico da Lei do Inquilinato e o regime geral do Código Civil não se misturam, muito menos se sobrepõem uns aos outros. Técnica legislativa refinada e muito bem-vinda, que sem dúvida contribuirá para o progresso econômico e social do País, que se espera seja mantida no futuro pós-pandemia. Por fim, a Lei como que incentiva a negociação e auto-composição de conflitos entre as partes, ao restringir a revisão judicial dos contratos, com o que se busca evitar uma indesejada judicialização excessiva ocasionada pela pandemia.

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