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Eduardo Mello

O Novo Código Civil e a Lei da Liberdade Econômica

O Projeto do Novo Código Civil, que atualmente se encontra em trâmite perante o Senado Federal, trata do direito das obrigações e dos contratos empresariais de forma bastante técnica e profícua, o que chegou a conferir àquele capítulo o título de um dos mais bem elaborados da proposta.


A partir dos fundamentos trazidos pela Lei da Liberdade Econômica (Lei 13874, de 20 de setembro de 2019) o Projeto separa, para efeitos de tratamento jurídico, os contrários paritários (e simétricos) daqueles não paritários. A propósito, no atual diploma civilista já existe referência à presunção de paridade e simetria nos contratos em que não houver elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais (art. 421-A CC).


Assim é que, no § 1º. do art. 421, o Projeto prevê que nos contratos civis e empresariais paritários prevalecem o princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual. Além disso, expõe os critérios a serem considerados para a correta interpretação dos contratos empresariais, ampliando o conceito de boa fé ao ambiente de negócios, de modo a aferi-la mediante a expectativa comum que os agentes do setor econômico de atividade dos contratantes têm, quanto à natureza do negócio celebrado e quanto ao comportamento legal esperado de cada parte (art. 421-C, § 1º., II).


Entretanto, como toda proposta legislativa resulta de uma luta de forças políticas com vieses diferentes, o Projeto do Novo Código Civil não é exceção à regra. Assim, não por outro motivo, em que pese reafirmar o princípio da força obrigatória dos contratos, enaltecendo a mínima intervenção do Poder Judiciário e a excepcionalidade de revisão, é enfático ao ressaltar seu cabimento apenas aos contratos paritários e simétricos. Tal perspectiva se nota a partir da leitura da redação do seu art. 421, cujo parágrafo 3º. prevê que “a cláusula contratual que violar a função social do contrato é nula, sendo nulo também o contrato em sua integralidade quando, sem a cláusula inválida, ele não puder ser mantido sem frustração de seu fim”.


Ao tratar mais detidamente da função social do contrato (art. 421-A), estipula que o cumprimento da função social ocorre quando o contrato propicia para as partes a fruição de direitos fundamentais e liberdades compatíveis com seu objeto e natureza. Além disso, amplia o seu alcance a terceiros, determinados ou não, havendo que ser respeitados a coerência com a proteção do meio ambiente, a proteção da saúde pública, a livre concorrência, a proteção a sujeitos vulneráveis para assegurar os ditames da existência digna e da solidariedade (art. 421-A, II).


O mesmo ocorre em relação ao princípio da boa fé objetiva, a partir do momento em que, no parágrafo único do art. 422, o Projeto especifica os deveres de informação, cuidado e cooperação, conforme o tipo de relação contratual, que devem levar em consideração a confiança legítima e os direitos e bens das outras partes. Desse modo, ao abrir o princípio da boa fé, esclarecendo os deveres anexos ou secundários principais, de informação, cuidado e cooperação, leva em conta também os direitos humanos, de igualdade, liberdade de escolha, liberdade de opção sexual, etc. e os direitos reais (ou bens das pessoas) e interesses (como expectativas legítimas e confiança).


Ao assim estabelecer, ainda que para equilibrar pressões politicamente exercidas, o Projeto acaba por enfraquecer, de certa forma, o impulso inicial oriundo da Lei da Liberdade Econômica no sentido de conferir aos contratos (especialmente paritários) a garantia de mínima intervenção estatal. Não obstante, cria um limbo jurídico ao não definir objetivamente quais seriam os contratos não paritários a serem submetidos a tratamento diferenciado, na medida em que apenas repete a exceção já prevista àqueles sujeitos a leis especiais. E como ficam os demais, que nelas não se encaixam? Possivelmente, a todos será conferida a possibilidade de ampla revisão, máxime ante à pluralidade de hipóteses propostas, capazes de configurar a quebra dos princípios da boa fé e da função social do contrato.


Note-se, a propósito, que o próprio conceito de paridade contratual ainda não é pacífico na doutrina. Para os civilistas, por exemplo, contratos paritários são aqueles em que há livre negociação de seu conteúdo por ambas as partes. Já para os comercialistas são aqueles em que existe relação de dependência econômica de uma parte em relação à outra.


Conclui-se, portanto, que, a despeito de ter sido apelidado de “destravador” das relações jurídicas, o Projeto ainda deverá sofrer muitos ajustes para fazer jus a essa designação e oferecer aos cidadãos brasileiros uma efetiva revolução no que diz respeito à submissão aos princípios da liberdade e da autonomia de vontade nas relações contratuais, sejam elas paritárias ou não.

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